terça-feira, 21 de junho de 2011

Crônica

Estacionou na garagem do prédio e não sentiu vontade nenhuma de deixar o carro. Passou a mão pelos cabelos e pensou em acender um cigarro. E depois notou que não havia nenhum com ele, claro. Pedro fumava raramente, as vezes quando bebia e ficava mais animadinho, acendia um ou outro. Sem entender o por que, sentiu falta de um agora, enquanto ficava acuado no próprio carro. Estava adiando este dia há tanto tempo, que chegou a acreditar que este momento nunca chegaria. Sua pobre e imaculada mãe, na paz do seu lar, não imaginaria nunca a notícia que estava por vir. Seu menino, filho único, finalmente sairia de casa.

Claro que Pedro sabia que de menino ele não tinha nada, 25 anos, trabalhador, pagava suas contas e ajudava em casa há tempos, homem feito. Assim ele pensava. Deu entrada no apartamento há um ano atrás, pagou todas as prestações e nada de dona Sueli ficar sabendo. “Para que aborrecer ela agora, quando o apartamento ficar pronto eu aviso”, foi o que Pedro disse para a namorada. Querendo enganar a quem jamais saberemos. Depois que ficou pronto, decorou todo o lugar as escondidas, pesquisou preços de móveis na internet e camuflou sacolas de eletrodomésticos no guarda-roupa.

Ele se considerava um traidor, agindo assim pelas costas, mas era só em pensar em contar que ele sentia um suador, uma tremedeira nas pernas, um nó na garganta. Como ela reagiria? Faria chantagem emocional? Diria que era totalmente desnecessário sair de casa antes de se casar? Enquanto decorava o apartamento podia ouvir a voz da mãe, “Só dois quadros na sala? Ah fica sem vida Pedro”, “Copos de plástico?! Acho tão anti higienico meu filho”. Imaginou o que ela acharia da cozinha, e depois parou de imaginar. Afinal, de nada adiantava, já estava tudo pago e ele tinha as faturas do cartão como prova disso.

Quando estava prester a sair do carro lembrou das noites de terça-feira. Eram sagradas para os dois, mãe e filho. Desde que era criança, eles se reuniam na sala com muita pipoca e coca gelada para assistir filmes, que antes eram desenhos. Quando Pedro entrou na adolescencia não ganhava mais nas escolhas dos títulos, que passaram a ser sempre comédias românticas ou dramas, daqueles que a mãe recorria aos lenços, e ele não entendia como chorar poderia fazer bem. Ele desconfiava que ela apenas o usava, seu pai jamais assistiria aqueles filmes.



Com o passar do tempo o refrigerante foi substituído por taças de vinho, que eles dividiam enquanto comentavam sobre a fotografia, as atuações e o roteiro. Pedro riu desta lembrança. Sorriu ao lembrar no quanto se sentiu um homem, orgulhoso, quando a mãe lhe passou pela primeira vez uma taça de vinho, e como ela fez isso com tamanha naturalidade.
Agora era fato, ele não iria conseguir dar essa notícia, sua mãe certamente não aguentaria. E o que seriam das noites de terça-feira? Pensou em adiar a mudança, mais uma vez na verdade. O apartamento ficou pronto muito antes do que ele contou para a namorada e para os amigos, mas isso era um segredo. Não, ele não podia adiar mais. Ele precisava organizar sua mudança e isso não teria jeito de esconder, mesmo que ele tivesse passado dias matutando em fazer isso, até se sentir ridículo.

Saiu do carro, seguiu em direção ao elevador sem reparar nas pessoas a sua volta. “Isso não deveria ser tão difícil”, pensou. Lembrou que estaria livre das cantorias do sábado, sua mãe sempre colocava o mesmo dvd do Lulu Santos nas alturas, enquanto cantava, “Se existe alguém na linha, se tem algo no ar, por favor responda agora, não me faça espeeeeeeeerar, SOS SOLIDÃO”.

Nem isso o animou. Lembrou também que não gostava de silêncio. Agora estava prestes a chorar e sentiu um misto de vergonha e alívio. Esse tempo todo Pedro protegia a verdade dele mesmo. Queria ser como os amigos, louco para sair de casa e ter sua tão falada privacidade. Mas sua mãe não havia lhe dado motivos. O que em sua cabeça tornava tudo mais difícil.

Pedro entrou correndo no apartamento com lágrimas pesadas lhe escorrendo pela face. Como fazia quando criança e caia de bicicleta ou era caçoado por amiguinhos e procurava institivamente os braços da mãe. E se deparou com ela passando calmamente fita adesiva em caixas de papelão. “Pedro, o rapaz do caminhão da mudança ligou no seu celular hoje de manhã, mamãe atendeu para você, ele queria confirmar se é para agendar para semana que vem. Consegui essas caixas, acha que vai dar tempo para ficar tudo pronto?”. Sim, Pedro estaria pronto.

Nenhum comentário: